Avifauna
(Marcelo Ferreira de Vasconcelos)
Introdução
A Serra do Caraça abriga uma avifauna com a presença de táxons típicos da Mata Atlântica e dos campos rupestres (Stattersfield et al. 1998, Vasconcelos & Melo-Júnior 2001), sendo considerada uma área importante para a conservação das aves da Mata Atlântica (Bencke et al. 2006). Vale ressaltar que a região também está inserida em uma área prioritária para a conservação da biodiversidade em Minas Gerais (Quadrilátero Ferrífero) na mais elevada categoria de importância biológica (especial), devido à alta riqueza de vertebrados, incluindo as aves (Drummond et al. 2005).
Os naturalistas viajantes do século XIX foram os primeiros a tomar conhecimento sobre as aves do Caraça, destacando-se, dentre eles: G. H. von Langsdorff, A. de Saint-Hilaire, J. B. von Spix, C. F. P. von Martius e P. E. Gounelle (Gounelle 1909, Pinto 1952, Saint-Hilaire 1975, Spix & Martius 1981, Sick 1997, Silva 1997).
Em setembro de 1824, Langsdorff e Ménétriès, este último zoólogo da expedição, em passagem pela região, haviam desistido de subir a Serra do Caraça, permanecendo em Brumado (atual Brumal). Por este motivo, Langsdorff enviou outro membro da expedição, junto da comitiva, para realizar a coleta e a taxidermia de aves no Caraça, como pode ser lido no seguinte trecho:
“Mas, para que fossem acompanhados de um caçador, mandei o Constantin para lá, levando sabão de arsênico e algodão.” (Silva 1997:133).
Os resultados desta coleta são apresentados a seguir, o que parece ter incluído uma forma desconhecida de beija-flor (Trochilus):
“Constantin abateu, entre vários pássaros raros, também uma nova espécie de Trochilus” (Silva 1997:134).
Spix & Martius (1981), em curta passagem pelo Caraça, também comentaram sobre seus beija-flores:
“No primeiro dia, colecionamos umas cem espécies de plantas, antes desconhecidas; e, embora as regiões montanhosas sejam quase sempre pobres de animais, aqui, entretanto, a coleta foi rica, sobretudo dos gêneros Cerambyx e Buprestis, especialmente o Buprestis tricolor, semistriatus nob., e dos mais variegados colibris” (Spix & Martius 1981:249).
Entretanto, as coleções destes naturalistas ainda não foram estudadas com detalhes e, caso o material coligido por eles no Caraça ainda persista em museus da Europa, seria de extrema importância seu levantamento.
Após a passagem destes naturalistas, quase nada mais foi estudado sobre a avifauna da região do Caraça, até as décadas de 1950 e 1960, quando A. Ruschi e R. Grantsau visitaram-na em busca de beija-flores raros, coletando, também, exemplares de outras espécies de aves (Ruschi 1962, 1963, 1982, Grantsau 1967, 1968, 1988, Vielliard 1994). Na década de 1970, destaca-se o esforço pioneiro do ornitólogo N. E. D. Carnevalli em organizar a primeira listagem da avifauna da região, baseando-se em seus estudos de campo (Carnevalli 1980). Posteriormente, alguns estudos mais específicos foram publicados sobre distribuição geográfica, conservação, taxonomia, ecologia ou história natural de algumas espécies de aves da região (Carnevalli 1982, Mattos & Sick 1985, COA 1989, Mattos et al. 1991, Wege & Long 1995, Whitney et al. 1995a, b, Melo-Júnior 1996, Melo-Júnior et al.1997, 1998, Parrini & Pacheco 1997, Machado et al. 1998, Vasconcelos 1998, 1999a, b, 2000a, b, Rochido 2000, 2001a, b, Rochido & Andrade 2000). No começo do séc. XXI, Vasconcelos & Melo-Júnior (2001) apresentaram uma nova listagem da avifauna regional, adicionando espécies e criticando alguns registros prévios apresentados por Carnevalli (1980). Após a publicação desta listagem, novos registros para a avifauna regional ou estudos sobre algumas espécies em particular foram publicados (Vasconcelos 2001a, b, 2002, Vasconcelos & Ferreira 2001, Vasconcelos & Lombardi 2001, Carvalho et al. 2003, Vasconcelos & Silva 2003, Vasconcelos et al. 2003a, b, c, 2005, 2006, 2007, 2008a, b, Gonzaga & Castiglioni 2006, 2007, Abreu 2006, Zorzin et al. 2006, D’Angelo Neto & Vasconcelos 2007, Souza & Marques 2008, Hoffmann et al. 2010, Whitney et al. 2010, Fonseca 2011).
Composição da avifauna
Até o presente, 386 espécies de aves foram registradas na região (Anexos 5-8). Destes registros, 14 são consideradas como duvidosos, mas representados por espécies com potencial para existirem na região, já que as mesmas são conhecidas em áreas próximas à RPPN – Santuário do Caraça (Anexo 7). Tais registros merecem confirmação com base em espécimes-testemunhos, gravações ou fotografias. Quatorze registros foram considerados errôneos, sendo representados por espécies que seguramente não ocorrem na região (Anexo 8). Assim, pode-se considerar que a avifauna da região é composta por 372 espécies (Anexos 5-7), o que representa cerca da metade do número de espécies ocorrente no estado de Minas Gerais (Mattos et al. 1993).
Dentre as espécies registradas na região, destacam-se 74 endêmicas da Mata Atlântica, além de três endêmicas do Cerrado e quatro endêmicas dos topos de montanha do leste do Brasil (conforme Ridgely & Tudor 1989, 1994, Silva 1995a, b, 1997, Sick 1997, Brooks et al. 1999, Vasconcelos 2001c, 2008, Silva & Bates 2002, Vasconcelos et al. 2003b, Silva & Santos 2005, Vasconcelos & Rodrigues 2010) (Anexo 6). É importante salientar que a maioria das espécies endêmicas da Mata Atlântica está em seu limite mais interiorano de distribuição geográfica nesta faixa latitudinal.
Espécies ameaçadas
Dentre as espécies ameaçadas globalmente (BirdLife International 2007), duas são vulneráveis (pixoxó, Sporophila frontalis, e cigarra-verdadeira,Sporophila falcirostris) e duas estão em perigo (águia cinzenta, Harpyhaliaetus coronatus, e macuquinho-da-várzea, Scytalopus iraiensis) (Anexo 6). Em nível nacional, a região abriga quatro espécies ameaçadas de extinção (conforme Machado et al. 2005): a águia-cinzenta (vulnerável), o macuquinho-da-várzea (em perigo), o pixoxó e a cigarra-verdadeira (ambos na categoria de vulnerável) (Anexo 6). Na lista de aves ameaçadas de extinção no estado de Minas Gerais (Fundação Biodiversitas 2008), constam as seguintes espécies: tesourinha-da-mata (Phibalura flavirostris) e chibante (Laniisoma elegans) (na categoria de vulnerável); uru (Odontophorus capueira), águia-cinzenta, gavião-pega-macaco (Spizaetus tyrannus), gavião-de-penacho (Spizaetus ornatus), maria-pequena (Phylloscartes sylviolus), pixoxó e cigarra-verdadeira (em perigo); gavião-pombo-grande (Leucopternis polionotus) e falcão-de-peito-laranja (Falco deiroleucus) (criticamente em perigo) (Anexo 6).
Espécies que apresentam fragilidade na região
As espécies ameaçadas de extinção são, geralmente, aquelas que apresentam maior fragilidade. Na região do Caraça, isto não foge à regra, embora outras espécies, não reconhecidas como ameaçadas, apresentem, regionalmente, fragilidades, sendo discutidas neste tópico.
Espécies associadas aos picos mais elevados da Serra do Caraça
Os ambientes mais elevados da Serra do Caraça apresentam microclima completamente diferenciado de todas as outras áreas da RPPN, onde se desenvolvem dois tipos especiais de vegetação: os campos rupestres, geralmente associados a afloramentos rochosos; e os campos de altitude, geralmente associados a solos rasos e/ou áreas brejosas (Vasconcelos 2011). Estes tipos especiais de ambientes ocorrem, em geral, acima de 1.750 m de altitude, atingindo mais de 2.000 m na Serra do Caraça. Além de apresentarem áreas bastante restritas na RPPN, estes tipos de vegetação altimontanas abrigam diversas espécies de plantas com distribuição restrita a esta faixa altitudinal e algumas espécies de aves que vivem estritamente associadas a estes ambientes ou que os utilizam como sítio reprodutivo, migratório ou área de alimentação. Áreas representadas por estes tipos especiais de ambientes são encontradas nos Picos do Sol, do Inficionado, da Carapuça, da Trindade, da Verruguinha e da Canjerana, além de todas as outras áreas altas que interconectam vários destes picos, sempre acima de 1.750 m de altitude. Entretanto, de todas elas, merece destaque o Pico do Inficionado, onde não há nenhum registro de queimada e a vegetação mantém-se muito mais íntegra a que dos outros picos que já sofreram incêndios e alteração da vegetação. Isto ocorre porque a vegetação das áreas mais elevadas da Serra do Caraça, assim como a dos típicos campos de altitude das Serras da Mantiqueira e do Mar, não se regenera bem após incêndios criminosos, já que era, originalmente, protegida por um cinturão de Mata Atlântica que atuava como zona-tampão dos incêndios que se iniciavam serra abaixo, além de receber, durante todo o ano, densas neblinas que propiciam bastante umidade às partes mais elevadas da serra (Martinelli & Orleans e Bragança 1996, Vasconcelos 2000b). Entretanto, os incêndios criminosos ou acidentais, sempre provocados pelo homem, que ocorreram nas últimas décadas em diversos picos do Caraça, depauperaram a vegetação natural e propiciaram a invasão de espécies vegetais não nativas daquelas áreas, que atualmente competem por luz e por espaço com as espécies de plantas nativas e altamente sensíveis a essas alterações (Vasconcelos 2000b, Vasconcelos et al. 2002, Vasconcelos & Rodrigues 2010). Estas modificações também causam alterações nas populações de espécies de aves associadas aos microambientes das áreas mais elevadas da Serra do Caraça (Vasconcelos, dados não publicados), conforme discutido abaixo.
A espécie que merece maior atenção nos altos picos da RPPN – Santuário do Caraça é a garrincha-chorona (Oreophylax moreirae). Esta ave ocorre na região de maneira bastante restrita, sempre acima de 1.800 m de altitude (Melo-Júnior et al. 1998, Vasconcelos 2000b, Vasconcelos & Melo-Júnior 2001), nunca descendo para partes mais baixas da serra, por estar estritamente associada ao microclima e aos ambientes de campos de altitude dos altos picos do Caraça, especialmente em aglomerados de arbustos de taquaras do gênero Chusquea (Vasconcelos et al. 2007). A distribuição geográfica desta espécie está intimamente associada às altas montanhas do Sudeste do Brasil, ocorrendo, além do Caraça, em populações isoladas nas Serras da Mantiqueira, do Caparaó e dos Órgãos (Vasconcelos & Rodrigues 2010). Pelo fato de a população do Caraça ser a mais interiorana e por estar completamente isolada das outras, é muito provável que ela represente uma unidade evolutiva distinta, estando “ilhada” nos altos picos do Caraça, pelo menos desde o final do último evento glacial. Por este motivo, ela merece especial atenção com relação a sua conservação na RPPN. Cabe destacar, também, que ela nunca foi encontrada em serras altas adjacentes ao Caraça, tais como as serras do Capanema e do Batatal, já degradadas por atividades minerárias (Vasconcelos, dados não publicados). Na RPPN – Santuário do Caraça, a espécie apresenta maior abundância no Pico do Inficionado, possivelmente porque esta área abriga ambientes de campos de altitude mais conservados que os dos outros picos (Vasconcelos, dados não publicados). Por exemplo, a abundância desta espécie foi muito mais baixa em áreas recém-queimadas entre os picos da Carapuça e do Sol, onde se desenvolveram várias espécies de plantas invasoras, modificando o típico ambiente de O. moreirae, em comparação com o Pico do Inficionado (Vasconcelos, dados não publicados). Além de O. moreirae, os altos picos da RPPN – Santuário do Caraça também abrigam populações de outras três espécies endêmicas dos topos de montanha do leste do Brasil (Vasconcelos 2008): o beija-flor-de-gravata-verde (Augastes scutatus), o papa-moscas-de-costas-cinzentas (Polystictus superciliaris) e o rabo-mole-da-serra (Embernagra longicauda), embora também ocorram nos campos rupestres localizados em altitudes menos elevadas da RPPN (Anexo 6).
Uma espécie ameaçada de extinção, o macuquinho-da-várzea (Scytalopus iraiensis), também está associada a brejos de altitude na RPPN – Santuário do Caraça, tendo sido registrada no Pico do Inficionado (Vasconcelos et al. 2008b) e na base do Pico da Trindade (Luiz Pedreira Gonzaga, comunicação pessoal). Não se conhecem os efeitos do fogo sobre as populações desta espécie, que se apresentam bastante isoladas umas das outras (Vasconcelos et al. 2008b).
Com relação às espécies migratórias, a taperuçu-de-coleira-falha (Streptoprocne biscutata) utiliza os altos picos da RPPN – Santuário do Caraça como importante sítio reprodutivo. Milhares de indivíduos desta espécie chegam à região por volta do mês de agosto, aglomerando-se nas profundas fendas e grutas rochosas dos picos, reproduzindo-se em massa e abandonando a região por volta do mês de março (Vasconcelos & Ferreira 2001). Embora este evento reprodutivo ocorra em quase todos os picos da RPPN – Santuário do Caraça, é no Pico do Inficionado que ocorre a maior concentração de indivíduos, especialmente porque esta área contém inúmeras fendas rochosas e grutas, locais de repouso noturno e nidificação desta espécie (Vasconcelos & Ferreira 2001).
Outra espécie migratória pouco conhecida na RPPN – Santuário do Caraça é a guaracava-de-crista-branca (Elaenia chilensis), que migra de latitudes temperadas do sul do continente em direção ao Brasil central (Marini & Cavalcanti 1990). O único registro desta espécie na RPPN provém de um exemplar coletado no Pico do Sol (UFPE 2452), entre 1.900 e 1.950 m de altitude, em maio de 1999 (Vasconcelos, dados não publicados). Isto indica que as altitudes mais elevadas da Serra do Caraça sejam um importante ponto de passagem desta espécie na região.
O falcão-peregrino (Falco peregrinus), outra importante espécie migratória, foi registrado na RPPN – Santuário do Caraça por duas vezes, em 16 de dezembro de 1999 e em 8 de janeiro de 2000, no Pico do Inficionado, possivelmente à caça de indivíduos do andorinhão-de-coleira-falha que nidificavam nos paredões naquela ocasião (Vasconcelos 2001a).
Outro evento sazonal que ocorre nos altos picos da RPPN é o deslocamento altitudinal de populações de várias espécies de beija-flores para estas áreas mais elevadas durante o final da estação chuvosa (entre fevereiro e abril), quando ocorrem densas floradas de várias espécies de plantas ornitófilas, isto é, adaptadas à polinização por estas aves. Exemplos são: Sinningia magnifica (Gesneriaceae), Lantana sp. (Verbenaceae), Epidendrum xanthinum (Orchidaceae), Siphocampylus sp. (Campanulaceae), Hololepis pedunculata (Asteraceae), Hippeastrum sp. nov. (Amaryllidaceae) e várias espécies de bromélias dos gêneros Vriesea, Neoregelia, Nidularium e Pitcairnia (Vasconcelos, dados não publicados). Esta floração maciça ocorre principalmente no Pico do Inficionado, justamente porque esta é uma das áreas altas onde a vegetação nativa encontra-se mais bem preservada. Este evento atrai para os picos centenas de indivíduos de dois táxons restritos aos campos rupestres da Cadeia do Espinhaço (Vasconcelos 2008): o asa-de-sabre-cinza (Campylopterus largipennis diamantinensis) e o beija-flor-de-gravata-verde (Augastes scutatus). Embora presentes durante todo o ano nos altos picos do Caraça, a abundância destas duas espécies aumenta consideravelmente na época da floração maciça, especialmente no Pico do Inficionado (Vasconcelos, dados não publicados). Além delas, indivíduos de outras espécies de beija-flores que geralmente vivem em altitudes mais baixas da RPPN – Santuário do Caraça, deslocam-se para as partes mais elevadas nesta época, incluindo indivíduos de duas espécies endêmicas da Mata Atlântica (beija-flor-de-papo-branco, Leucochloris albicollis, e beija-flor-rubi, Clytolaema rubricauda) e de outras que apresentam distribuição geográfica mais ampla, a exemplo de: rabo-branco-acanelado (Phaethornis pretrei), beija-flor-de-orelha-violeta (Colibri serrirostris), besourinho-de-bico-vermelho (Chlorostilbon lucidus) e beija-flor-de-peito-azul (Amazilia lactea) (Vasconcelos, dados não publicados). Assim, a integridade da vegetação nativa de campos rupestres e campos de altitude dos altos picos do Caraça, em especial do Inficionado, possivelmente é um fator-chave para a conservação e manutenção de populações destas espécies de beija-flores na região.
Em suma, a preservação dos altos picos da RPPN – Santuário do Caraça é de especial interesse para a conservação não apenas da avifauna, mas de toda a biota associada a estas áreas restritas e extremamente frágeis do ponto de vista ambiental. Dentre as maiores ameaças a estas áreas, está a descaracterização da vegetação nativa pelos incêndios. Estes incêndios sempre são provocados pelo homem, podendo ser ateados propositalmente por vizinhos da RPPN, ou, acidentalmente por turistas, como ocorrido em 1997 no Pico do Sol e vastas áreas elevadas da serra. Outras ameaças à integridade da biota estritamente associada ao microclima e aos microambientes dos picos são: coleta de plantas ornamentais, uso de madeira nativa e de canelas-de-ema (Vellozia spp.) para fazer fogueiras, acúmulo de lixo, erosão por intenso pisoteio e dispersão de espécies invasoras cujas sementes são transportadas por sapatos de turistas (Vasconcelos 2000b, Vasconcelos & Rodrigues 2010). Dentre os picos mais bem conservados, destaca-se o do Inficionado, que merece especial atenção, conforme acima detalhado.
Espécies associadas a amplas áreas florestadas
Conforme acima mencionado, a Serra do Caraça abriga dezenas de espécies de aves endêmicas da Mata Atlântica que se encontram em seu limite mais interiorano de distribuição geográfica na região compreendida pela RPPN – Santuário do Caraça e pela contínua faixa florestada que a conecta à Serra da Gandarela. Exemplos são: a coruja-listrada (Strix hylophila), o beija-flor-rubi (Clytolaema rubricauda), o pica-pau-dourado (Piculus aurulentus), a borralhara (Mackenziaena severa), o pinto-do-mato (Hylopezus nattereri), o tapaculo-pintado (Psilorhamphus guttatus), a tovaca-cantadora (Chamaeza meruloides), o arapaçu-de-bico-torto (Campylorhamphus falcularius), a maria-pequena (Phylloscartes sylviolus), o tropeiro-da-serra (Lipaugus lanioides), a saíra-lagarta (Tangara desmaresti) e o tico-tico-do-mato (Arremon semitorquatus). É possível que as populações de várias destas espécies apresentem divergência genética e diferenciações morfológicas, ainda desconhecidas, daquelas ocorrentes na faixa mais litorânea da Mata Atlântica, estando ameaçadas pelas contínuas atividades de descaracterização e supressão das florestas, ocasionadas, na região, principalmente pela intensa atividade minerária nas adjacências da RPPN – Santuário do Caraça, o que inclui as minas do Complexo Mariana (nos contrafortes este-meridionais da Serra do Caraça), do Córrego do Sítio (em seus contrafortes setentrionais) e da iminente e preocupante ameaça de degradação do amplo contínuo florestado da Serra da Gandarela.
Neste contexto, muitas espécies de aves florestais que ocorrem atualmente na RPPN – Santuário do Caraça são extremamente frágeis diante da fragmentação e degradação de seus habitats, sendo muito provável que várias delas sofrerão extinções locais caso haja quebra de importantes corredores florestais e de zonas-tampão adjacentes à RPPN.
Na Região Neotropical, as espécies de aves florestais mais sensíveis a estes efeitos são representadas pelos grandes rapinantes, pelos insetívoros de solo de médio porte e pelos grandes e médios frugívoros da copa (Willis 1974, 1979, Leck 1979, Thiollay 1989, Kattan et al. 1994, Goerck 1997, Sieving & Karr 1997, Renjifo 1999, Laps et al. 2003, Ribon et al. 2003).
Dentre os grandes rapinantes florestais registrados na região, destacam-se as seguintes espécies ameaçadas de extinção: o gavião-pombo-grande (Leucopternis polionotus), o gavião-pega-macaco (Spizaetus tyrannus) e o gavião-de-penacho (Spizaetus ornatus). No caso específico do gavião-pega-macaco, em 31 de janeiro de 2011, um indivíduo foi observado com binóculos a partir de um ponto alto na região de Sumidouro, a cerca de 1.000 m de altitude. Esta ave saiu voando da região da Cascatona (RPPN – Santuário do Caraça), passou sobre o observador e continuou sobrevoando as amplas áreas florestadas da vertente leste da Serra da Gandarela, até atingir a Serra da Piedade, em uma rota de aproximadamente 35 km (Vasconcelos, dados não publicados). Esta observação sugere que um único indivíduo de gavião-pega-macaco necessite de uma ampla área de vida representada por florestas conservadas, que vão muito além da RPPN – Santuário do Caraça. Assim, a preservação destas regiões florestadas, fora da RPPN, é essencial para a manutenção de populações destas espécies de grandes rapinantes.
Dentre os insetívoros de solo registrados na região destacam-se duas espécies endêmicas da Mata Atlântica: o pinto-do-mato (Hylopezus nattereri) e a tovaca-cantadora (Chamaeza meruloides). Ambos apresentam registros extremamente escassos na RPPN – Santuário do Caraça e nas florestas da Serra da Gandarela, nunca sendo registrados em fragmentos isolados ou em áreas de floresta secundária, merecendo, assim, especial atenção (Vasconcelos, dados não publicados).
Com relação aos grandes e médios frugívoros da copa, a RPPN – Santuário do Caraça abriga seis espécies: o tucano-de-bico-verde (Ramphastos dicolorus), a tesourinha-da-mata (Phibalura flavirostris), o tropeiro-da-serra (Lipaugus lanioides), o pavó (Pyroderus scutatus), a araponga-do-horto (Oxyruncus cristatus) e o chibante (Laniisoma elegans). Destas, a tesourinha-da-mata e o chibante são ameaçadas de extinção. Nesta guilda, já existe um caso de extinção local na região: o da araponga (Procnias nudicollis), encontrada nas matas do Quadrilátero Ferrífero até a década de 1960, não sendo mais registrada após essa data (informações a partir de entrevistas com a população local e padres da Serra da Piedade).
Além destas espécies, reconhecidas na literatura como as mais susceptíveis de serem afetadas pelos efeitos de fragmentação e supressão das florestas, incluem-se algumas aves granívoras que realizam movimentos nomádicos associados à frutificação de diversas espécies de taquaras (Olmos 1996, Sick 1997, Vasconcelos et al. 2005, Areta et al. 2009). Na RPPN – Santuário do Caraça já foram registradas cinco destas espécies: pararu-azul (Claravis pretiosa), cigarra-bambu (Haplospiza unicolor), pixoxó (Sporophila frontalis), cigarra-verdadeira (Sporophila falcirostris) e cigarra-do-coqueiro (Tiaris fuliginosus) (Vasconcelos et al. 2005, Vasconcelos, dados não publicados). As espécies de taquara que forneceram sementes para tais espécies de aves na região da Serra do Caraça, entre 1996 e 2011, foram: Chusquea attenuata (tendo atraído H. unicolor), Chusquea cf. capituliflora (tendo atraído H. unicolor), Chusquea sp. nov. (tendo atraído H. unicolor e T. fuliginosus), Guadua cf. tagoara (tendo atraído C. pretiosa, H. unicolor, S. falcirostrise T. fuliginosus), Merostachys fischeriana (tendo atraído H. unicolor, S. falcirostris e T. fuliginosus), Merostachys sp. (tendo atraído S. frontalis e S. falcirostris) e Parodiolyra micrantha (tendo atraído C. pretiosa e T. fuliginosus) (Vasconcelos et al. 2005, Vasconcelos, dados não publicados). Em geral, estas aves são bastante sensíveis porque a frutificação das diversas espécies de taquara é um evento imprevisível. Isto, associado ao alto grau de fragmentação atual da Mata Atlântica, faz com que o encontro de populações de taquaras frutificadas por estas aves seja mais dificultado. Além disso, duas destas espécies, endêmicas da Mata Atlântica (pixoxó e cigarra-verdadeira), sofrem intensa pressão de captura pela população humana, por serem apreciadas como aves de gaiola, sendo ambas consideradas como ameaçadas de extinção. No caso específico do pixoxó, a mesma ficou desaparecida da região da RPPN – Santuário do Caraça por mais de 30 anos (Vasconcelos 2002), até ser novamente registrada, em 2010, durante um evento de frutificação de Merostachys sp.
Assim, mesmo mantendo as florestas da RPPN bem conservadas, a contínua degradação das florestas próximas à RPPN – Santuário do Caraça poderá não manter, futuramente, populações viáveis de várias espécies de aves mais sensíveis a estes efeitos.